Por Flávio Dias
Surgiu no Twitter a briga
por audiência. Telespectadores contando os índices das novelas, se foi um
“hitar” ou “flopar” na linguagem dos internautas. Ou simplesmente fez sucesso
ou fracassou. Mal sabem eles que essa briga pertence mais aos donos das emissoras
da TV aberta do que dos telespectadores. Afinal, o que realmente vale: um
produto com bom conteúdo, bom texto, ou apenas agradar a massa para ganhar
audiência?
São questões que geram
discussões em vários níveis. Hoje a TV tem variadas formas de contar uma
história, de colocar um produto na boca do povo, de levantar assuntos sociais
para dentro das casas, ou simplesmente entreter. O certo é que ter audiência
serve de ganho de anunciantes, patrocinadores e merchandising. Para hitar ou
flopar não depende apenas da história contada. Há hoje uma concorrência forte
entre todos os meios: TV aberta, TV fechada e o streaming, sendo o último o grande
responsável pela queda de audiência dos seus outros concorrentes.
No ano de 2019, antes da
pandemia ser decretada em março de 2020, a TV aberta acumulou queda de 3% a 4%
em comparação com o ano anterior (2018). Em 2020 foi um pequeno crescimento de
1% e em 2021 a queda foi de 3%, igualando de 2019. E ainda tem a TV fechada, ou
por assinatura, que cai ano a ano em número de assinantes e de audiência. No
último ano houve queda de 20%. Quem saiu melhor na disputa foi o streaming com
crescimento de 22% em 2021.
Deixando os números de
lado, é certo que boa parte da queda e de crescimento, tem muito mais a ver com
estratégias das emissoras e operadoras. A pandemia fez o tabuleiro mudar. Não
dá mais para ficar no meio do caminho, no atraso de ofertas para o público.
O
que mudou?
No aspecto geral,
praticamente nada mudou. As grades das TVs continuam com o mesmo esquema de
antes. O horário nobre pouco teve novidades. Talvez a grande novidade foi ter
colocado o “Faustão na Band” em competição às 20h30. No ínicio surgiu o efeito
desejado, mas depois voltou ao mesmo patamar de audiência de antes. O movimento
de sai daqui e vai para lá é normal. Muitos profissionais da televisão têm
contratos Pessoa Jurídica (PJ) por tempo certo. Acabando o contrato, não
havendo acordo entre as partes, saem da emissora e vão para outros rumos,
incluindo para a concorrência. E muitos outros tem contratos por obra certo:
fazem o produto e depois vão em busca de outro. Mas os programas continuaram no
ar. A maioria via home office. “Altas Horas”, “Conversa Com Bial”, por exemplo,
foram feitos direto da casa dos apresentadores. Já produtos com plateia foram
simplesmente feitos sem público, ou colocadas reprises no lugar. Todas
mantiveram o esquema da grade em todos os horários.
Com o anúncio da pandemia
do Coronavírus Covid-19, as emissoras tiveram que paralisar suas produções
inéditas, deixando tudo para o melhor momento. Várias vezes o grava ou não
grava ocorreu nos estúdios devido aos casos da doença. Foi aí que tiveram que
mostrar o que tinham em seus estoques para não deixar a grade sem o que passar.
Para tapar o buraco, as edições especiais de algumas novelas recentes entraram
no ar na faixa nobre das 18h, 19h e 21h. A TV Globo estreiou de inéditas na TV
aberta as minisséries e séries já disponíveis no Globoplay. “Ilha de Ferro”,
“Arcanjo Renegado”, “Carcereiros”, “Shippados”, “Aruanas” são algumas exibidas
no período. Uma das poucas produções feitas em 2020 foi “Sob Pressão: Plantão
Covid”. Além de completar a novela “Amor de Mãe” com mais 23 capítulos no
início de 2021 e “Salve-se Quem Puder” a partir de maio do mesmo ano. As
novelas totalmente gravadas começaram a ter suas exibições a partir de agosto
de 2021. “Nos Tempos do Imperador” estreiou em 09 de agosto, seguido por “Um
Lugar ao Sol” em 08 de novembro e “Quanto Mais Vida, Melhor” em 22 de novembro.
Todas as novelas tiveram queda de audiência ficando entre 18 pontos a 23 pontos
de média.
O mesmo ocorreu com a
Record TV, SBT e Band: todas tiveram que se desdobrar para colocar produtos no
ar. A Record adiou suas novelas. “Amor Sem Igual” completada no início de 2021
e “Gênesis”, a primeira inédita do canal, entrou no ar em janeiro de 2021 com
boa parte já gravada. Sem outras produções ocorrendo, depois do termino de mais
uma novela bíblica, a emissora colocou mais um tapa buraco antes da estreia da
inédita “Reis”, programada para ir ao ar a partir de 21 de março próximo. E
adivinha o que colocaram? Um remendado de todas as tramas bíblicas e dando o
nome de “A Bíblia”. Já a Band entrou com a novela “Floribella” de 2005 e as portuguesas
na faixa das 20h30: “Ouro Verde” e “Nazaré”. O SBT reprisou “Carinha de Anjo”,
“Cúmplices de um Resgate” e “Chiquititas”, além da tradição de exibir as
novelas mexicanas. No próximo dia 21 de março estreia “Poliana Moça”,
continuação de “As Aventuras de Poliana”.
Com o avanço da pandemia
e alguns contratos encerrados nas emissoras, todas se mexeram como puderam. A
Globo perdeu Fausto Silva que foi para Band, levando diretor, corpo de
bailarinas e a jornalista Anne Lotterman, que estava na função da previsão do
tempo do JN. Tiago Leifert, depois de ficar no lugar no “Domingão do Faustão”,
saiu para cuidar da saúde da filha e tirar um período de descanso. Tadeu
Schmidt virou o novo comandante do “Big Brother Brasil”. Maju Coutinho saiu do
“Jornal Hoje” para ficar ao lado de Poliana Abritta no “Fantástico”, pegando a
vaga deixada por Tadeu. César Tralli é o novo apresentador do JH, sem perder a
vaga da “Edição das 18H” na Globonews. A promoção de Alan Severiano, garoto do
quadro da Covid e vacinação do JN, virou o novo apresentador do “SP1” e aos
sábados no JH. A Fórmula 1 foi para a Band com contrato das temporadas 2021 e
2022, levando narradores, comentaristas e repórteres para a nova casa: Sérgio
Maurício (ex-Sportv), Reginaldo Leme de volta depois de um tempo afastado e
Mariana Becker (ex-Globo) cobrindo a competição direto das pistas de corrida.
Autores de novelas e artistas saíram para novos rumos nas suas carreiras.
Sílvio de Abreu, Camila Pitanga e Joana Jabace foram para a HBO Max. Ingrid
Guimarães e Lazaro Ramos estão na Amazon Prime. Marcos Mion deixou a Record
para comandar o “Caldeirão” e Luciano Huck mudou do sábado para fazer o
“Domingão com Huck”. O futebol, antes predominante na Globo, ficou espalhado em
vários canais como TNT Sport (exibido na TNT e Space), ESPN, Record, Band e
SBT, além de canais dos times no YouTube ou plataformas próprios, que também
são exibidos nos streamings como HBO Max e Amazon Prime. Entre muitos outros,
incluindo jornalistas de longa data que deixaram a TV Globo.
Também houve mudança dos
contratos de aquisição dos produtos nos canais. O Telecine perdeu a 20th
Century Studio para o Disney+ e Star+, a MGM para a Amazon Prime. Filmes da
Universal Pictures e Paramount Pictures não são, na sua maioria, exclusivos da
rede do grupo Globo. A HBO Max passou a exibir filmes quase simultaneamente com
o cinema, principalmente da Warner Media, dona do canal. Muitas séries deixaram
as plataformas de exibição para ficar exclusiva em uma única. As séries da
Marvel agora são exibidas no Disney+, por exemplo. “Friends” migrou totalmente
para a HBO Max. A Sony começou parceria de produção com a Globo e tem seus
filmes exibidos na Record, além da HBO.
Erros
O grande erro da TV Globo, que fez sua audiência na TV aberta decair, vem da própria empresa. Em maio de 2020 foi lançado o projeto novelas no Globoplay. A cada 15 dias uma novela volta na plataforma inteira, além de séries, minisséries e o projeto originalidade com tramas inteiras como foi exibido à época da produção. Isso fez crescer o consumo do seu streaming. O maior erro foi lançar uma novela antes da estreia da inédita no horário das 21h. “Verdades Secretas 2” explodiu o consumo no streaming e fez “Um Lugar ao Sol” ser detonada na audiência. A estratégia de dar mais valor à novela do Globoplay, surtiu um efeito negativo para a TV aberta. O certo seria deixar a estreia das 21h antes da estreia da trama de Walcyr Carrasco para depois, pelo menos, 1 mês da novela de Lícia Manzo no ar. O favoritismo a popularidade venceu sobre a trama dos gêmeos Christian e Renato.
O streaming aproveitou as
brechas deixadas e também lançou novelas como a Netflix com as tramas do SBT.
As mexicanas também entraram para os catálogos. O Globoplay lançou tramas já
passadas e reprisadas no canal de Sílvio Santos. Se as séries são o grande
chamariz das plataformas, as novelas são o carro-chefe da TV aberta. Não é à
toa que HBO Max e Amazon contrataram autores para lançarem suas próprias
novelas, que chamam de telesséries.
O streaming está presente
em 22% dos lares, segundo levantamento da Kantar Media, divulgado pelo
colunista Ricardo Feltrin com exclusividade pelo portal UOL. Já é a segunda
maior no Brasil. Mas o consumo da TV aberta ainda é muito forte. Na faixa
etária dos 12 a 17 anos, 58% assistem TV aberta e TV fechada e 42% streaming.
Dos 50 a 59 anos são 85% na convencional e 15% estão nas plataformas online.
Sinal que não será tão cedo o fim das emissoras tradicionais. Os números de
audiência de 2021 mostram bem isso, apesar da queda. Confira abaixo os 10 mais:
1 - Globo: 10,80 pontos e
31,2%
2 - RecordTV: 4,11 pontos
e 11,2%
3 - SBT: 3,34 e 9,8%
4 - Band: 1,1 e 3,15%
5 - TV Brasil: 0,32 e
0,94%
6 - RedeTV: 0,283 e
0,817%
7 – TV Cultura: 0,216 e
0,63%
8 - Record News: 0,187 e
0,54%
9 - Rede Vida: 0,119 e
0,343%
10 - TV Gazeta: 0,05 e
0,16%
Quem realmente está
acabando aos poucos é a TV fechada. A cada mês perde assinantes em graus
altíssimos. A queda foi de 6,6 para 5,3 pontos de 2020 para 2021, com 20% no
total. Tudo porque não se reinventa, não se renova diante das concorrentes em
operações e preços. A grade esta engessada em pacotes fixos com canais que
muitas vezes o cliente sequer assiste. Enquanto as operadoras não mudarem a
forma de ofertar seus planos de pacotes e de canais, a queda será sempre maior.
O futuro da TV por assinatura tende, ou mudar o rumo de como oferecer seus
produtos, ou sumir de vez. Mas mesmo assim, ainda tem seu público fiel. 18 dos 20
canais mais assistidos em janeiro de 2021, pertence a grandes grupos: 8 são da
Globo, 8 são da Warner Media (Warner, Turner e a fusão com a Discovery feita
recentemente) e 2 do grupo Disney. Aliás, a Disney irá retirar alguns canais
das operadoras de TV por assinatura como Disney XD, Disney Jr e Star Life,
diminuindo ainda mais as ofertas de canais. Está programado para ocorrer ainda
no mês de março.
Confira a audiência de
janeiro:
1 - SporTV - 0,232
2 – Viva - 0,206
3 – GloboNews - 0,164
4 - AXN - 0,154
5 - Discovery Channel -
0,131
6 - Universal TV - 0,121
7 - Cartoon Network -
0,119
8 - Megapix - 0,112
9 - Multishow - 0,112
10 - Discovery Kids -
0,110
11 - Gloob - 0,088
12 - ESPN - 0,082
13 - Space - 0,079
14 - Home & Health -
0,074
15 - Warner - 0,061
16 - TNT - 0,061
17 - Star Channel - 0,057
18 - Telecine Action -
0,056
19 - Discovery ID - 0,055
20 - History - 0,052
Curiosamente, as outras
emissoras não dão muita importância para os streamings. Record, com seu Play
Plus, não chega nem na metade que tem o Globoplay. Band também investe pouco no
Band Play. O SBT e RedeTV! ficam no básico no YouTube, embora novelas infantis
do SBT estão presentes na Netflix.
Audiência
X Trama
Nem sempre a audiência
acompanha a trama. Um bom exemplo é a novela “Um Lugar ao Sol”. A trama de
Lícia Manzo não ultrapassa a casa dos 23 pontos de audiência. Mas em
compensação tem trama, texto, atuações e direção primorosas, elogiada pela
crítica especializada. É o oposto da trama de Walcyr Carrasco no Globoplay.
“Verdades Secretas 2” “hitou” na plataforma com milhões acessando o produto,
mas que não chega aos pés da novela da TV Globo. Interessante notar a força do
populesco diante de uma história mais bem elaborada. “VSII” prima (se é que se
pode chamar assim) pelas cenas de sexo em prol de construção de narrativas em
favor de uma boa história. Ao contrário de “ULAS” que tem na amarração do texto
contribuindo para a construção da trama. Duas novelas produzidas pela Globo,
mas com público bem diferentes.
Desde o início de “Um
Lugar ao Sol”, a crítica sempre vê a novela como um tapa buraco para a grande
produção a seguir: “Pantanal”. Não é um tapa buraco. Se fosse, colocaria
Carrasco para escrever qualquer besteira no horário, assim como fez para
“Verdades Secretas 2”. O problema foi outro: os streamings. Como citei acima, e
reforço, a Globo deu muito mais importância ao Globoplay no período da
pandemia, que a grade de programação da TV aberta. O resultado não poderia ser
outro: queda na audiência e fuga para os serviços online. Tanto é que a novela
das 21h é uma das mais consumidas na plataforma da empresa. Ou seja, quem não
está vendo que vai ao ar na TV Globo, procura o Globoplay para acompanhar a
novela. O “flop” não ocorre em sua plenitude. Ocorre por falha de estratégia.
Para recuperar a audiência perdida, “hitar” para a próxima estreia, foi
necessário antecipar o anúncio de mais de um mês, fazendo barulho para aumentar
os índices de “Pantanal”. Resta saber se esse correr atrás vai funcionar.
Mas uma coisa fica bem
clara a partir de agora: a audiência da TV aberta não será mais como antes.
Chegar aos 30 pontos será missão bem complicada. O streaming e outros meios de
transmissão de produtos audiovisuais está bem acirrada. Cada empresa está
montando seu elenco, procurando novos produtos e colocando a prova quem ganha
mais nessa disputa. Chegar aos 23 pontos ou manter para a Globo, ou qualquer
outra emissora, ou até mesmo streaming, será um desafio permanente. Nada será
como antes da pandemia. Agora a briga é em campo aberto. E quem pode levantar uma
ou decair outra são os consumidores. São eles que vão definir o futuro da TV no
Brasil.
Fontes de pesquisa:
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