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segunda-feira, 7 de março de 2022

A batalha da audiência

Por Flávio Dias

Surgiu no Twitter a briga por audiência. Telespectadores contando os índices das novelas, se foi um “hitar” ou “flopar” na linguagem dos internautas. Ou simplesmente fez sucesso ou fracassou. Mal sabem eles que essa briga pertence mais aos donos das emissoras da TV aberta do que dos telespectadores. Afinal, o que realmente vale: um produto com bom conteúdo, bom texto, ou apenas agradar a massa para ganhar audiência?

São questões que geram discussões em vários níveis. Hoje a TV tem variadas formas de contar uma história, de colocar um produto na boca do povo, de levantar assuntos sociais para dentro das casas, ou simplesmente entreter. O certo é que ter audiência serve de ganho de anunciantes, patrocinadores e merchandising. Para hitar ou flopar não depende apenas da história contada. Há hoje uma concorrência forte entre todos os meios: TV aberta, TV fechada e o streaming, sendo o último o grande responsável pela queda de audiência dos seus outros concorrentes.

No ano de 2019, antes da pandemia ser decretada em março de 2020, a TV aberta acumulou queda de 3% a 4% em comparação com o ano anterior (2018). Em 2020 foi um pequeno crescimento de 1% e em 2021 a queda foi de 3%, igualando de 2019. E ainda tem a TV fechada, ou por assinatura, que cai ano a ano em número de assinantes e de audiência. No último ano houve queda de 20%. Quem saiu melhor na disputa foi o streaming com crescimento de 22% em 2021.

Deixando os números de lado, é certo que boa parte da queda e de crescimento, tem muito mais a ver com estratégias das emissoras e operadoras. A pandemia fez o tabuleiro mudar. Não dá mais para ficar no meio do caminho, no atraso de ofertas para o público.

O que mudou?



No aspecto geral, praticamente nada mudou. As grades das TVs continuam com o mesmo esquema de antes. O horário nobre pouco teve novidades. Talvez a grande novidade foi ter colocado o “Faustão na Band” em competição às 20h30. No ínicio surgiu o efeito desejado, mas depois voltou ao mesmo patamar de audiência de antes. O movimento de sai daqui e vai para lá é normal. Muitos profissionais da televisão têm contratos Pessoa Jurídica (PJ) por tempo certo. Acabando o contrato, não havendo acordo entre as partes, saem da emissora e vão para outros rumos, incluindo para a concorrência. E muitos outros tem contratos por obra certo: fazem o produto e depois vão em busca de outro. Mas os programas continuaram no ar. A maioria via home office. “Altas Horas”, “Conversa Com Bial”, por exemplo, foram feitos direto da casa dos apresentadores. Já produtos com plateia foram simplesmente feitos sem público, ou colocadas reprises no lugar. Todas mantiveram o esquema da grade em todos os horários.



Com o anúncio da pandemia do Coronavírus Covid-19, as emissoras tiveram que paralisar suas produções inéditas, deixando tudo para o melhor momento. Várias vezes o grava ou não grava ocorreu nos estúdios devido aos casos da doença. Foi aí que tiveram que mostrar o que tinham em seus estoques para não deixar a grade sem o que passar. Para tapar o buraco, as edições especiais de algumas novelas recentes entraram no ar na faixa nobre das 18h, 19h e 21h. A TV Globo estreiou de inéditas na TV aberta as minisséries e séries já disponíveis no Globoplay. “Ilha de Ferro”, “Arcanjo Renegado”, “Carcereiros”, “Shippados”, “Aruanas” são algumas exibidas no período. Uma das poucas produções feitas em 2020 foi “Sob Pressão: Plantão Covid”. Além de completar a novela “Amor de Mãe” com mais 23 capítulos no início de 2021 e “Salve-se Quem Puder” a partir de maio do mesmo ano. As novelas totalmente gravadas começaram a ter suas exibições a partir de agosto de 2021. “Nos Tempos do Imperador” estreiou em 09 de agosto, seguido por “Um Lugar ao Sol” em 08 de novembro e “Quanto Mais Vida, Melhor” em 22 de novembro. Todas as novelas tiveram queda de audiência ficando entre 18 pontos a 23 pontos de média.



O mesmo ocorreu com a Record TV, SBT e Band: todas tiveram que se desdobrar para colocar produtos no ar. A Record adiou suas novelas. “Amor Sem Igual” completada no início de 2021 e “Gênesis”, a primeira inédita do canal, entrou no ar em janeiro de 2021 com boa parte já gravada. Sem outras produções ocorrendo, depois do termino de mais uma novela bíblica, a emissora colocou mais um tapa buraco antes da estreia da inédita “Reis”, programada para ir ao ar a partir de 21 de março próximo. E adivinha o que colocaram? Um remendado de todas as tramas bíblicas e dando o nome de “A Bíblia”. Já a Band entrou com a novela “Floribella” de 2005 e as portuguesas na faixa das 20h30: “Ouro Verde” e “Nazaré”. O SBT reprisou “Carinha de Anjo”, “Cúmplices de um Resgate” e “Chiquititas”, além da tradição de exibir as novelas mexicanas. No próximo dia 21 de março estreia “Poliana Moça”, continuação de “As Aventuras de Poliana”.



Com o avanço da pandemia e alguns contratos encerrados nas emissoras, todas se mexeram como puderam. A Globo perdeu Fausto Silva que foi para Band, levando diretor, corpo de bailarinas e a jornalista Anne Lotterman, que estava na função da previsão do tempo do JN. Tiago Leifert, depois de ficar no lugar no “Domingão do Faustão”, saiu para cuidar da saúde da filha e tirar um período de descanso. Tadeu Schmidt virou o novo comandante do “Big Brother Brasil”. Maju Coutinho saiu do “Jornal Hoje” para ficar ao lado de Poliana Abritta no “Fantástico”, pegando a vaga deixada por Tadeu. César Tralli é o novo apresentador do JH, sem perder a vaga da “Edição das 18H” na Globonews. A promoção de Alan Severiano, garoto do quadro da Covid e vacinação do JN, virou o novo apresentador do “SP1” e aos sábados no JH. A Fórmula 1 foi para a Band com contrato das temporadas 2021 e 2022, levando narradores, comentaristas e repórteres para a nova casa: Sérgio Maurício (ex-Sportv), Reginaldo Leme de volta depois de um tempo afastado e Mariana Becker (ex-Globo) cobrindo a competição direto das pistas de corrida. Autores de novelas e artistas saíram para novos rumos nas suas carreiras. Sílvio de Abreu, Camila Pitanga e Joana Jabace foram para a HBO Max. Ingrid Guimarães e Lazaro Ramos estão na Amazon Prime. Marcos Mion deixou a Record para comandar o “Caldeirão” e Luciano Huck mudou do sábado para fazer o “Domingão com Huck”. O futebol, antes predominante na Globo, ficou espalhado em vários canais como TNT Sport (exibido na TNT e Space), ESPN, Record, Band e SBT, além de canais dos times no YouTube ou plataformas próprios, que também são exibidos nos streamings como HBO Max e Amazon Prime. Entre muitos outros, incluindo jornalistas de longa data que deixaram a TV Globo.



Também houve mudança dos contratos de aquisição dos produtos nos canais. O Telecine perdeu a 20th Century Studio para o Disney+ e Star+, a MGM para a Amazon Prime. Filmes da Universal Pictures e Paramount Pictures não são, na sua maioria, exclusivos da rede do grupo Globo. A HBO Max passou a exibir filmes quase simultaneamente com o cinema, principalmente da Warner Media, dona do canal. Muitas séries deixaram as plataformas de exibição para ficar exclusiva em uma única. As séries da Marvel agora são exibidas no Disney+, por exemplo. “Friends” migrou totalmente para a HBO Max. A Sony começou parceria de produção com a Globo e tem seus filmes exibidos na Record, além da HBO.

Erros



O grande erro da TV Globo, que fez sua audiência na TV aberta decair, vem da própria empresa. Em maio de 2020 foi lançado o projeto novelas no Globoplay. A cada 15 dias uma novela volta na plataforma inteira, além de séries, minisséries e o projeto originalidade com tramas inteiras como foi exibido à época da produção. Isso fez crescer o consumo do seu streaming. O maior erro foi lançar uma novela antes da estreia da inédita no horário das 21h. “Verdades Secretas 2” explodiu o consumo no streaming e fez “Um Lugar ao Sol” ser detonada na audiência. A estratégia de dar mais valor à novela do Globoplay, surtiu um efeito negativo para a TV aberta. O certo seria deixar a estreia das 21h antes da estreia da trama de Walcyr Carrasco para depois, pelo menos, 1 mês da novela de Lícia Manzo no ar. O favoritismo a popularidade venceu sobre a trama dos gêmeos Christian e Renato.

O streaming aproveitou as brechas deixadas e também lançou novelas como a Netflix com as tramas do SBT. As mexicanas também entraram para os catálogos. O Globoplay lançou tramas já passadas e reprisadas no canal de Sílvio Santos. Se as séries são o grande chamariz das plataformas, as novelas são o carro-chefe da TV aberta. Não é à toa que HBO Max e Amazon contrataram autores para lançarem suas próprias novelas, que chamam de telesséries. 

O streaming está presente em 22% dos lares, segundo levantamento da Kantar Media, divulgado pelo colunista Ricardo Feltrin com exclusividade pelo portal UOL. Já é a segunda maior no Brasil. Mas o consumo da TV aberta ainda é muito forte. Na faixa etária dos 12 a 17 anos, 58% assistem TV aberta e TV fechada e 42% streaming. Dos 50 a 59 anos são 85% na convencional e 15% estão nas plataformas online. Sinal que não será tão cedo o fim das emissoras tradicionais. Os números de audiência de 2021 mostram bem isso, apesar da queda. Confira abaixo os 10 mais:

1 - Globo: 10,80 pontos e 31,2%

2 - RecordTV: 4,11 pontos e 11,2%

3 - SBT: 3,34 e 9,8%

4 - Band: 1,1 e 3,15%

5 - TV Brasil: 0,32 e 0,94%

6 - RedeTV: 0,283 e 0,817%

7 – TV Cultura: 0,216 e 0,63%

8 - Record News: 0,187 e 0,54%

9 - Rede Vida: 0,119 e 0,343%

10 - TV Gazeta: 0,05 e 0,16%

 

Quem realmente está acabando aos poucos é a TV fechada. A cada mês perde assinantes em graus altíssimos. A queda foi de 6,6 para 5,3 pontos de 2020 para 2021, com 20% no total. Tudo porque não se reinventa, não se renova diante das concorrentes em operações e preços. A grade esta engessada em pacotes fixos com canais que muitas vezes o cliente sequer assiste. Enquanto as operadoras não mudarem a forma de ofertar seus planos de pacotes e de canais, a queda será sempre maior. O futuro da TV por assinatura tende, ou mudar o rumo de como oferecer seus produtos, ou sumir de vez. Mas mesmo assim, ainda tem seu público fiel. 18 dos 20 canais mais assistidos em janeiro de 2021, pertence a grandes grupos: 8 são da Globo, 8 são da Warner Media (Warner, Turner e a fusão com a Discovery feita recentemente) e 2 do grupo Disney. Aliás, a Disney irá retirar alguns canais das operadoras de TV por assinatura como Disney XD, Disney Jr e Star Life, diminuindo ainda mais as ofertas de canais. Está programado para ocorrer ainda no mês de março.

Confira a audiência de janeiro:

1 - SporTV - 0,232

2 – Viva - 0,206

3 – GloboNews - 0,164

4 - AXN - 0,154

5 - Discovery Channel - 0,131

6 - Universal TV - 0,121

7 - Cartoon Network - 0,119

8 - Megapix - 0,112

9 - Multishow - 0,112

10 - Discovery Kids - 0,110

11 - Gloob - 0,088

12 - ESPN - 0,082

13 - Space - 0,079

14 - Home & Health - 0,074

15 - Warner - 0,061

16 - TNT - 0,061

17 - Star Channel - 0,057

18 - Telecine Action - 0,056

19 - Discovery ID - 0,055

20 - History - 0,052

Curiosamente, as outras emissoras não dão muita importância para os streamings. Record, com seu Play Plus, não chega nem na metade que tem o Globoplay. Band também investe pouco no Band Play. O SBT e RedeTV! ficam no básico no YouTube, embora novelas infantis do SBT estão presentes na Netflix.

 

Audiência X Trama



Nem sempre a audiência acompanha a trama. Um bom exemplo é a novela “Um Lugar ao Sol”. A trama de Lícia Manzo não ultrapassa a casa dos 23 pontos de audiência. Mas em compensação tem trama, texto, atuações e direção primorosas, elogiada pela crítica especializada. É o oposto da trama de Walcyr Carrasco no Globoplay. “Verdades Secretas 2” “hitou” na plataforma com milhões acessando o produto, mas que não chega aos pés da novela da TV Globo. Interessante notar a força do populesco diante de uma história mais bem elaborada. “VSII” prima (se é que se pode chamar assim) pelas cenas de sexo em prol de construção de narrativas em favor de uma boa história. Ao contrário de “ULAS” que tem na amarração do texto contribuindo para a construção da trama. Duas novelas produzidas pela Globo, mas com público bem diferentes.

Desde o início de “Um Lugar ao Sol”, a crítica sempre vê a novela como um tapa buraco para a grande produção a seguir: “Pantanal”. Não é um tapa buraco. Se fosse, colocaria Carrasco para escrever qualquer besteira no horário, assim como fez para “Verdades Secretas 2”. O problema foi outro: os streamings. Como citei acima, e reforço, a Globo deu muito mais importância ao Globoplay no período da pandemia, que a grade de programação da TV aberta. O resultado não poderia ser outro: queda na audiência e fuga para os serviços online. Tanto é que a novela das 21h é uma das mais consumidas na plataforma da empresa. Ou seja, quem não está vendo que vai ao ar na TV Globo, procura o Globoplay para acompanhar a novela. O “flop” não ocorre em sua plenitude. Ocorre por falha de estratégia. Para recuperar a audiência perdida, “hitar” para a próxima estreia, foi necessário antecipar o anúncio de mais de um mês, fazendo barulho para aumentar os índices de “Pantanal”. Resta saber se esse correr atrás vai funcionar.

Mas uma coisa fica bem clara a partir de agora: a audiência da TV aberta não será mais como antes. Chegar aos 30 pontos será missão bem complicada. O streaming e outros meios de transmissão de produtos audiovisuais está bem acirrada. Cada empresa está montando seu elenco, procurando novos produtos e colocando a prova quem ganha mais nessa disputa. Chegar aos 23 pontos ou manter para a Globo, ou qualquer outra emissora, ou até mesmo streaming, será um desafio permanente. Nada será como antes da pandemia. Agora a briga é em campo aberto. E quem pode levantar uma ou decair outra são os consumidores. São eles que vão definir o futuro da TV no Brasil.

A certeza que fica é que a TV brasileira irá crescer nos próximos anos. Ainda temos grandes talentos que vão movimentar a grade de todas as emissoras e a briga com o streaming será ainda mais de nível alto. Todos vão ganhar, seja para menos, ou para mais. Espero que o telespectador ganha ainda mais, pois nossa produção nacional é riquíssima.


Fontes de pesquisa:

https://www.uol.com.br/splash/noticias/ooops/2022/02/28/ranking-os-20-canais-pagos-mais-vistos-no-brasil.htm

 https://noticiasdatv.uol.com.br/noticia/televisao/tv-tradicional-perde-forca-em-2020-mas-globo-ainda-domina-o-mercado-48932

https://www.uol.com.br/splash/noticias/ooops/2022/01/04/sbt-e-globo-fecham-2021-com-os-piores-resultados-ja-registrados.htm

https://www.uol.com.br/splash/noticias/ooops/2022/01/08/ibope-de-tv-aberta-e-paga-vai-ladeira-abaixo-streaming-mostra-forca.htm

https://noticiasdatv.uol.com.br/noticia/televisao/em-2021-audiencia-do-streaming-matou-tv-paga-e-deixou-record-e-sbt-ver-navios-71948

https://noticiasdatv.uol.com.br/noticia/mercado/na-guerra-do-streaming-maiores-vitimas-serao-operadoras-de-tv-paga-65223

https://www.uol.com.br/splash/noticias/ooops/2022/02/08/exclusivo-kantar-ja-mede-ibope-dos-servicos-de-streaming.htm

https://www.uol.com.br/splash/noticias/ooops/2022/02/04/veja-o-ranking-de-ibope-da-tv-aberta-redetv-ja-ronda-o-traco.htm

https://canaltech.com.br/entretenimento/22-dos-brasileiros-usam-streaming-mas-tv-aberta-ainda-e-forte-208740/


Fontes Imagens:

Google Imagens

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